Howard Shulman nunca havia pensado em procurar os seus pais biológicos, que o deixaram após uma infecção destruir a sua face; tudo mudou após ver um comercial na TV.

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Apesar das dificuldades que enfrentou, Howard Shulman diz ter tido uma vida abençoada (Foto: Howard Shulman)

O americano Howard Shulman cresceu entre diversas famílias adoptivas e não sabia nada sobre os seus pais biológicos – além do facto de eles o terem abandonado após uma infecção destruir parte do seu rosto. Foi apenas aos 40 anos de idade que ele descobriu as suas origens.

Shulman acaba de escrever um livro sobre essa experiência extraordinária. No depoimento a seguir, ele conta um pouco sobre a sua jornada:

“Quando nasci, contraí um vírus que corroeu os ossos do meu nariz, a região inferior do meu olho direito, o céu da boca e o meu lábio. Pelo que me contaram, os meus pais abandonaram-me imediatamente. Eles não queriam ter de lidar com isso. Nos três primeiros anos de vida, fui criado num hospital. Depois, fui adoptado por uma família.

Não ser um filho biológico nunca me incomodou, pois estava sempre a batalhar para sobreviver. Eles eram a única família que já tinha conhecido até então. Foi um momento complicado da minha vida, em que eu entrava e saía de hospitais e escolas com frequência. E eles nunca me adoptaram de verdade, já que eu tinha diversas questões médicas a serem resolvidas.

Tive de lidar com o facto de que era fisicamente diferente dos outros e de ter que frequentar hospitais por causa disso. Quando estava internado, sentia muita dor e solidão. Era tratado como um número, como um objecto, pois estava sob os cuidados do Estado. A única pessoa que tinha como referência era um médico indicado pelo governo. Era muito difícil.

Fiz transplantes de ossos e pele, tive as regiões do olho, do nariz e do lábio reconstruídas diversas vezes. Hoje, os ossos das minhas costelas estão no meu nariz. A pele veio do meu peito e da minha coxa direita.

Tive muitos problemas emocionais e mentais por ter sido rejeitado pela minha família biológica. E, na escola, era sempre vítima de bullying. Expressava isso com rompantes de raiva, física e verbalmente. Não ficava quieto quando alguém me humilhava. Eu enfrentava essas pessoas.

Nunca havia pensado em procurar os meus pais biológicos, o que só mudou quando eu era mais velho. Ao assistir a TV numa madrugada, vi um comercial de um serviço que ajudava pessoas a encontrar as suas famílias. Estava quase a dormir, mas anotei o telefone por impulso. Liguei no dia seguinte e, pouco tempo depois, recebi uma lista de pessoas que tinham o mesmo sobrenome que o meu e que viviam na região do hospital onde eu havia nascido. Levei alguns dias para controlar a ansiedade e criar coragem para telefonar para os nomes da lista.

Nas primeiras ligações, disseram-me que a pessoa em questão não se encontrava mais naquele número. Na quinta ou sexta ligação, uma mulher atendeu: era minha irmã biológica. Após eu explicar quem era, ela ficou atordoada e me pediu que esperasse um momento. Foi então que a minha mãe biológica veio ao telefone falar comigo. Expliquei novamente quem era, e ela ficou em silêncio, processando tudo. Por fim, confirmou que era a pessoa certa e disse-me: ‘Sempre soube que você ligaria. Estava a espera disso’.

Descobri que tenho descendência russa e judaica, além de dois irmãos e uma irmã. Ela falava com tanto orgulho deles, sobre como os meus irmãos eram advogados e minha irmã, casada com um empresário bem-sucedido. Enquanto minha mãe me contava essas coisas, só pensava que ela havia me abandonado, como se eu não fosse humano. Mas não disse nada. Só queria ouvir o que ela tinha a dizer.

Ela não falava comigo como se eu fosse o seu filho. Quando a conheci pessoalmente num restaurante em Nova Iorque, foi ainda mais desesperador. Ela olhou fixamente para mim e me disse que eu parecia estar bem. Apenas agradeci. Estava a procura de encontrar algum sinal de que éramos uma família, mas não encontrei nenhum. Claramente, ela estava triste. Mas dou-lhe os parabéns por ter tido a coragem de vir me encontrar. Ela não precisava fazer isso.

Não conseguimos resolver a questão que havia entre nós. Como lidar com o facto de que um ser humano te abandonou? Não houve reconciliação porque, quanto mais sabia sobre a minha história, com mais raiva ficava. Pensava: ‘Se vocês eram tão bem-sucedidos, não poderiam ter lidado com o meu problema médico?’. Perguntei por que haviam me abandonado. Com lágrimas nos olhos, ela me disse: ‘Fiz o que tinha de fazer’. Olhei para ela e respondi: ‘Bem, isso eu posso compreender, porque também fiz o que tive de fazer para sobreviver’.

Enquanto contava a minha vida, onde tinha crescido, citei o restaurante em que havia trabalhado em Nova Jersey. Ela ficou espantada: disse que o conhecia e que havia ido comer lá várias vezes no mesmo período em que eu trabalhava como lavador de pratos. Eu havia literalmente lavado os pratos com os quais eles tinham comido. Foi um choque duplo.

Não senti nada de positivo entre nós. Não era uma questão de ressentimento, porque fui abençoado e tive uma vida óptima. Viajei, conheci pessoas incríveis, casei, vivo no sul da Califórnia. Na verdade, senti pena dela por conta da culpa que carregava.

Conto esta história no meu livro, “Fugindo do Espelho”, título que dei porque é algo no que me especializei. Mas acho também que é uma questão universal. Todos nós fugimos do espelho em algum momento das nossas vidas. Todos nós temos problemas.

Para mim, o espelho é a realidade. Temos de nos aceitar como nos vemos nele. Senão, quem vai nos aceitar se não conseguimos fazer isso por conta própria?”